Saiu para rua, cumprida mais uma jornada de trabalho. Um arrepio percorreu-lhe o corpo ao enfrentar o frio de um fim de tarde de um Inverno que teima em durar. Sem pressa, tomou a direcção que há-de levá-la a casa. O corpo vencido pelo cansaço age com uma autómato, mecanicamente. Sabe que em casa nada mais a espera do que uma imensa, uma dura e pesada solidão. A dor da perda está ainda muito presente e parece tê-la enredado na sua teia, mantendo-a refém. Até quando? Pergunta repetida vezes sem conta, sem qualquer resposta. O sentimento de impotência domina-a por completo e abafa toda e qualquer tentativa para vir de novo à tona. Quer acreditar que depois da tempestade virá a bonança, mas ainda sente os efeitos do tsunami que arrasou a sua vida. Embora tenha deixado de fazer parte da sua vida, ele continua presente, sem o estar fisicamente. Por isso, a dor não amaina e a vida segue perdida, sem rumo.
O toque do sino, anunciando as horas, fez-se ouvir, quebrando o silêncio e trazendo-o de volta à realidade. Não dera pelo tempo passar, absorto e perdido em pensamentos, arrastado para as memórias com que ia esbarrando a cada divisão da casa, que ia percorrendo com vagar. Como não lembrar daquela casa cheia de vida, repleta de gente, numa permanente azáfama, típica das famílias numerosas. De repente, era de novo um menino, perdido em tropelias com os irmãos, qual deles o mais travesso. A voz da mãe a chamar para a mesa, o cheirinho da comida de conforto, memórias tão vívidas que um arrepio lhe percorreu a espinha. Tateou a mesa da sala, onde tantas vezes partilharam refeições, risos e alegrias. A sala de jantar testemunha dos momentos mais felizes, mas também dos mais tristes, como as despedidas dos avós e, mais tarde, dos pais. Piscou os olhos, na ânsia de afastar as lágrimas que ameaçavam brotar. Invadiu-o a nostalgia, sentindo ecoar, num lamento, a canção de Pedro Abrunho...
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