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Perda

Deambulava ao acaso no frenesim da cidade. Caminhava sem saber para onde, sem ver com quem se cruzava, sem sentir a azáfama da urbe. Os seus pés arrastavam-se no chão, como se carregasse o mundo às costas. O olhar, esse era infinitamente triste, carregado de mágoa, espelhando a dor que sentia no mais íntimo do seu ser. Sem intenção alguma, entrou por uma porta ampla, de madeira envelhecida. Não sentiu, tão pouco se deixou envolver pela paz daquele lugar sagrado. Deu por si de joelhos, ante a imagem da Virgem. Fechou os olhos para de novo os abrir e fitar a imagem, já as lágrimas escorrendo, sem controlo algum, pelo rosto marcado pelas noites sem dormir. Desejou o mesmo destino que lhe roubara o seu amor, o seu amado filho, o seu único filho, uma vida ceifada na flor da idade, num acidente igual a tantos outros que sucedem todos os dias, a toda a hora, em qualquer parte do mundo, mutilando famílias que nunca superarão tão horrenda perda. Como era grande e tão insuportavelmente dolorosa a dor que lhe oprimia o peito! Fitava a imagem, um borrão entre o vale de lágrimas, sem sequer lhe ocorrer que ela conhecia a sua dor, porque também ela a sentiu. Perdeu o seu amado filho, o seu único filho. Tal como ela. Foi-se embora sem ver que a Senhora chorou com ela.

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Serei Amor

  Serei morada Porto de abrigo Cais onde ancoras o barco Âncora no mar revolto   Serei casa Regaço que acolhe Abraço que conforta Lar das memórias mais doces   Serei refúgio Lugar seguro Tempo sem tempo Abrigo nas tempestades   Serei certeza nas horas dúbias Luz na escuridão Esperança no desespero Alegria no descontentamento   Serei confidente Guardiã de todos os teus segredos Fiel depositária das tuas partilhas Confessionário dos teus pecados   Serei música Silêncio se o desejares Frenesim na quietude Calma na agitação   Serei o que quiseres que seja Sempre e quando o queiras Serei para ti o que queria fosses para mim Serei AMOR

Nem sempre...

Nem sempre razão e coração casam, mas fazem alianças. Nem sempre o amor cura, mas faz verdadeiros milagres. Nem sempre um abraço atenua a dor, mas imprime energia. Nem sempre falar resolve, mas alivia. Nem sempre são firmes os meus passos, mas regem-se pela verticalidade.  Nem sempre são assertivas as minhas palavras, mas refletem a verdade de cada momento.  Nem sempre sou o que esperam de mim, mas o que posso ser para os outros.  Nem sempre dou tudo o que poderia, mas o que sou capaz de oferecer.

Homem do mar

  Chega manhã bem cedo, numa rotina que cumpre religiosamente. Passos arrastados de quem carrega décadas de vida e as mazelas de uma infinidade de pequenos nadas e abalos de maior grandeza. Não estão à vista essas mazelas, fizeram morada por dentro, numa marca indelével que há de levar para a cova. Endireita as costas que teimam em curvar-se, fazendo-se ereto. Ergue os ombros e olha o mar, de frente, qual forcado enfrentando o touro na arena, em jeito de desafio. Conhece-o bem. Aprendeu a conhecê-lo antes sequer de se fazer homem. Sabe das suas manhas, dos seus caprichos, da sua imprevisibilidade. Respeita-o, porque o conhece. Sabe que pode ser traiçoeiro, ah como sabe. Não permite que as más memórias emerjam, antes as quer ocultas nesse negrume que habita em si, que lhe envolve o coração. Desconhece de que matéria é feito, tão pouco sabe que resiliência é a armadura de que se revestiu para sobreviver.