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A mostrar mensagens de novembro, 2022

Nós

Disseste que era tarde. Não, gritei.  Nunca é tarde quando vive em ti o desejo de viver mais, a vontade de ser mais, a certeza de querer mais. Disseste que o tempo não volta atrás. Enganas-te, argumentei.  O tempo somos nós que o tecemos, que lhe damos sentido e que lhe imprimimos o ritmo e a intensidade. Disseste que nós já não existimos. Não, contestei.  Estamos um para o outro como o predicado está para o verbo, sem que a vírgula os possa separar. Disseste que agora é tarde. Não, contradisse.  Nunca é tarde quando os dois ainda ouvem a mesma canção. Disseste que já não valia a pena. Não, rebati. Vale sempre a pena por mais pequena que seja a chama, porque do mais ténue rastilho pode alavancar um fogo intenso.  O amor só é fogo que arde sem se ver se aos olhos não chegar a chama do coração.  

Velho

  É um dia de inverno, igual a tantos outros, demasiado curto para tarefas que exigem mais tempo, excessivamente longo para os que, sem grandes ou nenhuns afazeres, se limitam a esperar, a ver escorrer o tempo, numa cadência monótona, como quem vê desfiar a malha de uma manta que vai ficando cada vez mais pequena. Os dias de inverno são difíceis. Aliás, toda a estação lhe é penosa. O frio, a chuva, a humidade que lhe enregela o corpo e tolhe os ossos. O que o sustém são os dias de sol, sempre lhe trazem algum ânimo. O sol de inverno é como o abraço de um amigo. Aquece e conforta. Uma espécie de recompensa pela resiliência de aguentar estoicamente tantos dias cinzentos, alguns verdadeiramente penosos. É um dia a menos no calendário, um dia a mais numa vida já longa. Cada vez mais os dias são iguais, uma rotina a que já se habituou. Não faz planos, há muito que deixou de os fazer. Tranquilo, ou talvez resignado, nada exige, nada pede, nada espera. Hoje, o sol não veio. Sentiu-lhe a

Reencontro

  Com passo apressado, rosto afogueado e olhar inquieto, a mulher avança por entre a multidão, alheia aos olhares inquisitivos que a seguem. Movida pelo anseio de encontrar o que procura, não presta a menor atenção ao seu redor. Nada a detém ou abranda. Segue determinada, apesar do nervosismo. Não se dá conta da criança que quase derrubou na urgência da marcha. Afasta do rosto o cabelo que a atrapalha e avança. A espera foi longa e penosa. Está próxima do fim. É esmagadora a ansiedade. Dolorosamente angustiante. Detém-se por fim. A barreira que encontra não lhe permite avançar. E a ansiedade agiganta-se. O coração bate desenfreado como se quisesse saltar-lhe do peito. Obriga-se a respirar fundo. Fecha os olhos. O ruído em redor avoluma-se e torna-se ensurdecedor. Apetece-lhe gritar, porque não é já dona da sua vontade. As lágrimas escapam-lhe, sem que as possa evitar. É no meio desse borrão que o vê. O momento tantas vezes sonhado e ansiosamente aguardado chegara, finalmente. O coração