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Mensagens

A mostrar mensagens de 2020

Sentimentos

Houvesse música e eu seria letra de canção. Mescla de palavras conjugadas com harmonia, apelo aos sentidos e aos sentimentos. Houvesse estrada e há muito teria posto pés ao caminho. Houvesse expetativa e não teria ficado presa na intencionalidade. Houvesse coragem e partiria à conquista. Houvesse tempo e o futuro era agora, já.    

Choque

Um vazio incomensurável tomou conta de si. Por momentos, o chão pareceu fugir-lhe dos pés, uma tontura quase o derrubou. Um silêncio gritante ecoava na sua mente, não lhe permitindo sequer pensar. Intentou uma passada, mas as pernas não lhe obedeceram. Tentou falar, todavia não conseguiu articular palavra. Viu-se refletido no espelho e não reconheceu esse outro que o mirava atordoado. Preso, amordaçado, completamente dominado pelo choque. A morte batia-lhe à porta.

Ver

Olhar, mas Ver.  Despojar-se de quaisquer barreiras ou preconceitos para poder captar para além do que os olhos veem. Saborear despojadamente como o primeiro mergulho no mar após um longo e deprimente inverno. Ver, não apenas Olhar. Libertar os sentidos para usufruir em toda a plenitude. As formas que dão corpo, a cor que dá vida ou se esbate, o movimento que lembra a efemeridade da existência, o som que pode ser barulho ou melodia… Ver é imensamente mais do que simplesmente Olhar. É deixar que os olhos cheguem ao coração e façam cócegas na alma.

Regresso ao passado

Regresso, amiúde, ao passado. Quando a ausência faz doer entrego-me aos pensamentos, mergulho na emoção de dias felizes e deixo-me envolver por doces recordações. Nessa espécie de viagem virtual (re)vivo esse tempo em que o futuro não era mais do que um horizonte longínquo. Mas o tempo, esse supremo traidor, corre, pula e avança como se tivesse pressa de chegar a algum lado. Como quem derruba peças de um dominó, abrevia as horas, os dias, os anos, tornando cada vez mais extenso o caminho percorrido e cada vez mais diminuto o percurso a trilhar. Não tinha a noção do finito. Fui esbarrando nessa incontornável realidade, ao longo do tempo. São já tantos os embates! As marcas ficam no coração e na alma. Regresso, por isso, muitas vezes ao passado. Para trazer ao presente quem se foi, para apaziguar a dor e a saudade.  

Ódio

Não é da raiva que te falo. É de um sentimento tanto ou mais corrosivo, que, sorrateiramente, se foi instalando e ganhando vontade própria. Estás preso nos seus tentáculos e já não o controlas. Reside em ti, às vezes adormecido, outras em total ebulição, mas sempre presente. Sabes de que te falo? Tomou conta de ti, não te dás conta? É ele no comando quando vociferas palavras cáusticas, expondo essa amargura que fez morada em ti, aniquilando o quanto de bom encerras no teu íntimo. É tóxico, puro veneno. O teu maior erro foi tê-lo deixado entrar, tornou-se hóspede permanente. Mora em ti. Tu já não és tu. És um ser completa e totalmente subjugado, mas que pensa ter ainda controlo sobre as suas emoções.   Não percas, contudo, a esperança. Há um antídoto eficaz para matar esse bicho mordaz e letal que é o ódio. Chama-se AMOR. Deixa-o entrar no teu coração.

Pertença

Não o pode chamar de seu. Contudo, pertence-lhe. Não porque detenha sobre ele qualquer domínio. Não possui legitimidade para reivindicar a sua posse ou regatear exclusividade. É seu, porém. Abrigo nas tempestades, aconchego na instabilidade, regaço sempre disponível. Confidente de todas as horas, testemunha das emoções mais extremas, da dor lancinante à felicidade plena. Como não o chamar de seu? Como não o sentir parte de si? Não é só um lugar, um sítio. É onde ele se sente e permite ser inteiro. Por isso, o tem como seu.

Chuva

Esteve sempre iminente, durante todo o dia, mas foi ao início da noite que despoletou. Persistente, com uma cadência cada vez mais intensa. Como que ansiosa depois de uma longa espera. Ritmada como uma dança, sem abrandar um só instante. Os pingos transformados num enorme véu cobrindo a imensidão. Os campos, sequiosos, absorvendo cada gota. O estio fora longo e agreste, como há muito não se via. Fora uma extensa e penosa espera. Por fim, ela chegara. Ávida do abraço por demais ansiado.

A casa azul

Erguida naquela encosta, impõe-se na paisagem. Uma pincelada de cor em dias cinzentos e um pedaço de céu em dias de sol. Em redor, a serra, densa, verdejante. Na vista desafogada, o mar imenso, revolto em dias de tempestade, nos outros um lago onde apetece mergulhar. Na casa azul há vida, ainda que vozes não se ouçam. Umas vezes risos, outras lágrimas, palavras sussurradas ou gritos, abraços sentidos ou frias despedidas. Na casa azul, tal como em todas as outras casas, a vida acontece, caem os dias no calendário, os meses, os dias, os anos. Sucedem-se gerações, vão-se os velhos, ficam os novos. E o mar sempre como testemunha, vigilante permanente.