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Superação

Resiste a atribuir-se culpas negando a consciência pesada que, por certo, lhe roubaria o sossego. Abomina a vitimização, entendendo-a como um sinal dos fracos. Não se permite fraquejar, ciente de que facilmente embarcaria numa viagem de difícil regresso. Já antes mergulhara nessa espiral depressiva, sem força ou ânimo para emergir desse pântano lodoso que lhe tolhera o corpo e a mente. Considera-se um sobrevivente, por isso se faz forte, ainda que, por vezes, a vulnerabilidade o embale, arrastando-o para a escuridão. Constrói novas memórias para os dias que hão de vir. Enche o peito de ar, como se quisesse garantir reserva para as alturas em que lhe falta. Sai à rua, dança com o vento, deixa-se beijar pelo sol e embalar pela melodia do mar. Regressa aos lugares onde foi feliz, em busca do abraço que o conforta.

Amor quebrado

  Que é feito dos sorrisos que chegavam aos olhos e aqueciam por dentro? Que é feito do toque, do afago carinhoso, do abraço apertado, que dispensavam palavras? Que é feito das manhãs cheias de promessas de dias gloriosos? Que é feito das noites e das madrugadas que abriam a porta a despertares mágicos? Que é feito dos risos e das gargalhadas sonoras que rebentavam pela mais banal  razão ? Que é feito da cumplicidade que nos colocava em sintonia? Que é feito das promessas juradas e dos sonhos partilhados? Que é feito das palavras que refletiam gentileza, simpatia, respeito? A culpa é do nó que nos prendia ao invés de nos unir.  

Onde mora a saudade

A saudade mora no meu coração. Assentou morada no dia em se fez física a tua ausência. É como um órgão extra que o meu corpo acolheu. Vive em mim. Desde que acordo até que me deito tenho permanente consciência dela. Às vezes afaga-me o coração como um sopro leve, uma carícia suave, um sorriso caloroso, um abraço confortante. É uma saudade apaziguadora, que traz à memória tanto do bom que partilhamos. Outras vezes é um aperto no coração, uma dor dilacerante, uma nuvem a cobrir o sol. Obrigo-me a levantar do chão e a procurar a luz. A saudade continuará a morar no meu coração enquanto a memória existir.

Vida

  Bateu com a porta, resoluta, pondo fim a um ciclo. Demorou a tomar a decisão, mas, a partir do momento em que a ideia de virar a página não mais a deixou serenar, não havia como deixar tudo como estava. A inquietude foi crescendo, ganhou forma de coragem e impeliu-a a dar o passo. Enfrentou o medo, afastou as dúvidas, ignorou as incertezas. Não buscava uma nova vida, somente foi ao encontro da vida.

Obsessão

Tornou-se visceral. Agigantou-se de tal modo que quando deu fé já escapara ao seu controlo. Num exercício de memória, procurou precisar no tempo o momento em que o sentimento o dominou, fazendo-o refém. Tornou-se adicto, ele que sempre se esquivou a toda e qualquer dependência. Equipara a adrenalina que lhe corre nas veias a uma qualquer substância que, num ápice, eleva aos píncaros o mais moribundo dos seres. Como lhe chamar amor, quando, na realidade, é obsessão?!

Vidas

    Aos seus olhos, e quiçá de quem a conhecia, a sua vida sempre lhe parecera desinteressante e desprovida de qualquer interesse. Nunca fizera nada de relevante ou digno de nota, nunca concretizara algo mais ou menos marcante que merecesse destaque algum. Uma vida banal, igual a tantas outras, jamais apetecível para relatar num desses programas lamechas que a televisão gosta de explorar. A verdade é que sempre gostou da sombra, por isso optou por ficar longe dos olhares e da atenção de uma sociedade permanentemente pronta a tecer juízos de valor, não se expondo, portanto, a um escrutínio que não se pede nem se deseja. Tanto assim que estar a par ou atrás de alguém, como tantas vezes é propalado, nunca foi destino que quisesse. Preferiu sempre estar só, estar somente consigo própria. Dizia que no nascimento como na morte somos sós. Na viagem da vida escolheu ser só.

Abraço

A ausência desse abraço tolhe-me. Traz-me inquieta, desde que acordo até que adormeço. Mas não é a ansiedade que me apoquenta. É a incerteza do quando.  A distância física tornou-se também afetiva. E dói, qual ferida aberta. Dói no corpo e dói no coração. Dói na alma. A saudade desse abraço deixa-me exaurida, extenua-me. É um vazio que não se esvazia. É a nuvem num dia de sol. O abraço não é só uns braços que nos acolhem, nos apertam e nos levantam do chão. Abraço é vida. Havemos de voltar à vida.