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A casa azul



Erguida naquela encosta, impõe-se na paisagem. Uma pincelada de cor em dias cinzentos e um pedaço de céu em dias de sol. Em redor, a serra, densa, verdejante. Na vista desafogada, o mar imenso, revolto em dias de tempestade, nos outros um lago onde apetece mergulhar. Na casa azul há vida, ainda que vozes não se ouçam. Umas vezes risos, outras lágrimas, palavras sussurradas ou gritos, abraços sentidos ou frias despedidas. Na casa azul, tal como em todas as outras casas, a vida acontece, caem os dias no calendário, os meses, os dias, os anos. Sucedem-se gerações, vão-se os velhos, ficam os novos. E o mar sempre como testemunha, vigilante permanente.


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O toque do sino, anunciando as horas, fez-se ouvir, quebrando o silêncio e trazendo-o de volta à realidade. Não dera pelo tempo passar, absorto e perdido em pensamentos, arrastado para as memórias com que ia esbarrando a cada divisão da casa, que ia percorrendo com vagar. Como não lembrar daquela casa cheia da vida, repleta de gente, numa permanente azáfama, típica das famílias numerosas.   De repente, era de novo um menino, perdido em tropelias com os irmãos, qual deles o mais travesso. A voz da mãe a chamar para a mesa, o cheirinho da comida de conforto, memórias tão vívidas que um arrepio lhe percorreu a espinha. Tateou a mesa da sala, onde tantas vezes partilharam refeições, risos e alegrias. A sala de jantar testemunha dos momentos mais felizes, mas também dos mais tristes, como as despedidas dos avós e, mais tarde, dos pais. Piscou os olhos, na ânsia de afastar as lágrimas que ameaçavam brotar. Invadiu-o a nostalgia, sentindo ecoar, num lamento, a canção de Pedro Abrunhosa… “quer

Velho

  É um dia de inverno, igual a tantos outros, demasiado curto para tarefas que exigem mais tempo, excessivamente longo para os que, sem grandes ou nenhuns afazeres, se limitam a esperar, a ver escorrer o tempo, numa cadência monótona, como quem vê desfiar a malha de uma manta que vai ficando cada vez mais pequena. Os dias de inverno são difíceis. Aliás, toda a estação lhe é penosa. O frio, a chuva, a humidade que lhe enregela o corpo e tolhe os ossos. O que o sustém são os dias de sol, sempre lhe trazem algum ânimo. O sol de inverno é como o abraço de um amigo. Aquece e conforta. Uma espécie de recompensa pela resiliência de aguentar estoicamente tantos dias cinzentos, alguns verdadeiramente penosos. É um dia a menos no calendário, um dia a mais numa vida já longa. Cada vez mais os dias são iguais, uma rotina a que já se habituou. Não faz planos, há muito que deixou de os fazer. Tranquilo, ou talvez resignado, nada exige, nada pede, nada espera. Hoje, o sol não veio. Sentiu-lhe a