Resiste a atribuir-se culpas negando a consciência pesada que, por certo, lhe roubaria o sossego. Abomina a vitimização, entendendo-a como um sinal dos fracos. Não se permite fraquejar, ciente de que facilmente embarcaria numa viagem de difícil regresso. Já antes mergulhara nessa espiral depressiva, sem força ou ânimo para emergir desse pântano lodoso que lhe tolhera o corpo e a mente. Considera-se um sobrevivente, por isso se faz forte, ainda que, por vezes, a vulnerabilidade o embale, arrastando-o para a escuridão. Constrói novas memórias para os dias que hão de vir. Enche o peito de ar, como se quisesse garantir reserva para as alturas em que lhe falta. Sai à rua, dança com o vento, deixa-se beijar pelo sol e embalar pela melodia do mar. Regressa aos lugares onde foi feliz, em busca do abraço que o conforta.
Sempre a vi como o espelho da dor. Dois rudes golpes, a par de todas as outras dores que foi acumulando, mataram-na, ainda que se mantivesse viva. Não é preciso estar na pele do outro para perceber o seu sofrimento, contudo, é impossível medir a mágoa que sufoca o coração e enegrece a alma. Perder um filho, depois o outro. É a morte em vida, seguramente. Resiliência é um eufemismo para quem tem de prosseguir depois de tudo ter acabado. Sobreviver, porque viver é outra coisa.
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