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Casa de praia



A casa de praia tem as janelas abertas, evidenciando que há vida lá dentro. Cá fora, duas cadeiras de campismo deixam perceber a ocupação casual da pequena moradia. A dois passos, o rio corre para o mar. Além da margem, espraiam-se os campos e as casas, e, na linha do horizonte, o monte como que torna privado este bocado de território. No lado oposto, fica a praia, essa linha de costa que a erosão teima em roubar, ano após ano, reduzindo, cada vez mais, essa língua de areia, tornando cada vez mais longínquas as memórias do extenso areal de outrora.

A casa da praia, que conhecemos desde sempre, mantém-se ali. Cuidada quanto baste, despretensiosa, não ostenta quaisquer luxos, cumprindo a sua missão de refúgio casual uns quantos dias no ano.

Chamar-lhe casa de praia poderá ser, eventualmente, presunção, atendendo à dimensão e simplicidade da construção. Reveste-se, contudo, daquele ar simpático e acolhedor a que apetece chamar casa.

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