Avançar para o conteúdo principal

Nunca tive jeito com as palavras


Nunca tive jeito com as palavras. Caíam qual folhas secas no despontar do Outono quando me envolvias em teus braços e me transportavas para outra dimensão.
Nunca tive jeito com as palavras. Sumiam-se de cada vez que desenhavas no abstracto um futuro de sonho e me fazias crer no impossível.
Nunca tive jeito com as palavras. Ficavam estranguladas na garganta quando dizias que eu era o teu mundo e me fazias sentir a estrela mais brilhante do Universo.
 
Nunca tive jeito com as palavras. Não fui capaz de, através delas, fazer-me entender quando tentei justificar o injustificável. Não perdoaste o imperdoável e eu, sem jeito com as palavras, deixei o silêncio falar mais alto.
Nunca tive jeito com as palavras. Não as encontrei quando precisei delas para dar respostas às tuas questões. Impuseste o ponto final.
Nunca tive jeito com as palavras. Não achei que fosse importante dizê-las porque achava que me entendias sem que fosse necessário falar. Não aprendeste a ler o meu olhar.
Nunca tive jeito com as palavras.

Comentários

  1. Tem algum email através do qual eu consiga entrar em contato contigo, "colheitade69"? (ou perfil do facebook)

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Vidas

Sempre a vi como o espelho da dor. Dois rudes golpes, a par de todas as outras dores que foi acumulando, mataram-na, ainda que se mantivesse viva. Não é preciso estar na pele do outro para perceber o seu sofrimento, contudo, é impossível medir a mágoa que sufoca o coração e enegrece a alma. Perder um filho, depois o outro. É a morte em vida, seguramente. Resiliência é um eufemismo para quem tem de prosseguir depois de tudo ter acabado. Sobreviver, porque viver é outra coisa.

Infância

O toque do sino, anunciando as horas, fez-se ouvir, quebrando o silêncio e trazendo-o de volta à realidade. Não dera pelo tempo passar, absorto e perdido em pensamentos, arrastado para as memórias com que ia esbarrando a cada divisão da casa, que ia percorrendo com vagar. Como não lembrar daquela casa cheia da vida, repleta de gente, numa permanente azáfama, típica das famílias numerosas.   De repente, era de novo um menino, perdido em tropelias com os irmãos, qual deles o mais travesso. A voz da mãe a chamar para a mesa, o cheirinho da comida de conforto, memórias tão vívidas que um arrepio lhe percorreu a espinha. Tateou a mesa da sala, onde tantas vezes partilharam refeições, risos e alegrias. A sala de jantar testemunha dos momentos mais felizes, mas também dos mais tristes, como as despedidas dos avós e, mais tarde, dos pais. Piscou os olhos, na ânsia de afastar as lágrimas que ameaçavam brotar. Invadiu-o a nostalgia, sentindo ecoar, num lamento, a canção de Pedro Abrunhosa… “quer

Velho

  É um dia de inverno, igual a tantos outros, demasiado curto para tarefas que exigem mais tempo, excessivamente longo para os que, sem grandes ou nenhuns afazeres, se limitam a esperar, a ver escorrer o tempo, numa cadência monótona, como quem vê desfiar a malha de uma manta que vai ficando cada vez mais pequena. Os dias de inverno são difíceis. Aliás, toda a estação lhe é penosa. O frio, a chuva, a humidade que lhe enregela o corpo e tolhe os ossos. O que o sustém são os dias de sol, sempre lhe trazem algum ânimo. O sol de inverno é como o abraço de um amigo. Aquece e conforta. Uma espécie de recompensa pela resiliência de aguentar estoicamente tantos dias cinzentos, alguns verdadeiramente penosos. É um dia a menos no calendário, um dia a mais numa vida já longa. Cada vez mais os dias são iguais, uma rotina a que já se habituou. Não faz planos, há muito que deixou de os fazer. Tranquilo, ou talvez resignado, nada exige, nada pede, nada espera. Hoje, o sol não veio. Sentiu-lhe a