Porque não me escreves uma carta de amor? Acaso a ideia parecer-te-á disparatada? Partilharás do pensamento de que “todas as cartas de amor são ridículas” ou receias antes expor-te e desnudar a tua alma? Não temas, pois não são as palavras que te tornarão vulnerável aos meus olhos. Esqueces-te que te sei de cor. Conheço-te demasiado bem, talvez até melhor do que a mim própria. A cada gesto teu, a cada olhar, sou capaz de adivinhar o teu pensamento. Não precisas dizer uma única palavra para eu saber que só queres ficar aconchegado no meu colo, os meus dedos afagando o teu cabelo. Não precisas falar para eu perceber que tens necessidade de desabafares ou de simplesmente seres ouvido. E quando chegas nessa alegria mal disfarçada, quase infantil, também não precisas falar para eu ver que estás feliz ou que algo de bom iluminou o teu dia. Ainda que me digas, sem dizer, que sou importante para ti, sempre gostava que me escrevesses uma carta de amor.
O toque do sino, anunciando as horas, fez-se ouvir, quebrando o silêncio e trazendo-o de volta à realidade. Não dera pelo tempo passar, absorto e perdido em pensamentos, arrastado para as memórias com que ia esbarrando a cada divisão da casa, que ia percorrendo com vagar. Como não lembrar daquela casa cheia de vida, repleta de gente, numa permanente azáfama, típica das famílias numerosas. De repente, era de novo um menino, perdido em tropelias com os irmãos, qual deles o mais travesso. A voz da mãe a chamar para a mesa, o cheirinho da comida de conforto, memórias tão vívidas que um arrepio lhe percorreu a espinha. Tateou a mesa da sala, onde tantas vezes partilharam refeições, risos e alegrias. A sala de jantar testemunha dos momentos mais felizes, mas também dos mais tristes, como as despedidas dos avós e, mais tarde, dos pais. Piscou os olhos, na ânsia de afastar as lágrimas que ameaçavam brotar. Invadiu-o a nostalgia, sentindo ecoar, num lamento, a canção de Pedro Abrunhosa… “quer
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