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Sei de um tempo...


Sei de um tempo em que a felicidade se construía com quase nada. Era um tempo em que existiam valores, se dizia por favor e obrigado e se cedia o lugar aos mais velhos. Era um tempo em que as pessoas se encontravam pelo prazer de estarem juntas e conversar e estavam disponíveis para ouvir e ajudar. Era um tempo em que as famílias se reuniam, partilhavam alegrias e se amparavam nos momentos menos bons. Era um tempo em que as crianças tinham tempo para brincar e, sobretudo, para ser crianças. Era um tempo em que as guloseimas eram verdadeiramente saboreadas. Era um tempo sem pressas, sem stress e depressões. Era um tempo em que, apesar de se ter tão pouco, se dava graças, porque o pouco era tanto.

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Infância

O toque do sino, anunciando as horas, fez-se ouvir, quebrando o silêncio e trazendo-o de volta à realidade. Não dera pelo tempo passar, absorto e perdido em pensamentos, arrastado para as memórias com que ia esbarrando a cada divisão da casa, que ia percorrendo com vagar. Como não lembrar daquela casa cheia de vida, repleta de gente, numa permanente azáfama, típica das famílias numerosas.   De repente, era de novo um menino, perdido em tropelias com os irmãos, qual deles o mais travesso. A voz da mãe a chamar para a mesa, o cheirinho da comida de conforto, memórias tão vívidas que um arrepio lhe percorreu a espinha. Tateou a mesa da sala, onde tantas vezes partilharam refeições, risos e alegrias. A sala de jantar testemunha dos momentos mais felizes, mas também dos mais tristes, como as despedidas dos avós e, mais tarde, dos pais. Piscou os olhos, na ânsia de afastar as lágrimas que ameaçavam brotar. Invadiu-o a nostalgia, sentindo ecoar, num lamento, a canção de Pedro Abrunhosa… “quer

Silêncio

Quando o silêncio é tão estrondosamente ruidoso retumba no peito e agita a mente. Não se ouve, contudo, grita. É avassalador. Assume o poder das mais duras palavras, é eco de uma multidão. É poderoso, porque domina, torna refém. Não permite refúgios nem evasões. É inteiro, porquanto preenche, toma todas as dimensões. Mil vezes os gritos. Tal silêncio não traz serenidade nem acalma. Mata.

Letargia

  Vive agora num permanente estado de letargia. Tem consciência disso, mas vontade nenhuma de inverter a situação. É como se tivesse caminhado durante horas e não possua já forças para dar um só passo que seja. Cansaço. Será, afinal, esse o diagnóstico? Não o sabe, tampouco quer saber. Basta-lhe permanecer quieta, não colocar interrogações, ainda que num frémito de clarividência se questione. Estará ela a cair nas malhas dessa coisa a que chamam depressão? Não, seguramente que não, ainda que não consiga clarificar por que razão se mantém apática, indiferente ao que antes a trazia motivada. Sente-se como um balão que, de repente, se esvaziou. Está sem conteúdo, vazia. Pouco lhe importa se é noite ou se é dia. Não se quer obrigar a pensar, a reagir ou sequer a pedir ajuda. Só quer ficar, porque não vê vantagens em ir.