Avançar para o conteúdo principal

Dissipam-se os dias



Dissipam-se os dias qual contas do rosário desfiadas numa reza corrida como quem tem pressa de ver atendida a sua prece. Rodam implacavelmente os ponteiros do relógio transformando o presente em passado depressa demais. Repetem-se os dias, as rotinas, os gestos, hoje como ontem, quase sempre iguais. Pergunta-se ao tempo porque foge pedindo-lhe que volte para trás.
Outrora longa, a estrada vai-se fazendo cada vez mais curta, sinal de que há cada vez menos caminho para percorrer. A todo o momento a viagem pode terminar, sem aviso prévio, e é sempre curta, por mais anos que tenham passado. Fica sempre algo por viver, por fazer, por dizer…
A intensidade das coisas não se mede pelas palavras que são ditas, mas pela forma como são sentidas e vividas. Como expressar por palavras a dor de perder alguém, o nascimento de um filho? Como explicar a sensação de voar sem tirar os pés do chão, tocar as nuvens sem lhes pôr a mão?
Dissipam-se os dias que hão-de dar lugar a outros, igualmente escassos e fugidios. Agarram-se os dias de sol e os de chuva, deixa-se o frio entranhar os ossos e o vento fustigar o rosto, cada vez mais marcado pelo tempo. Cozinha-se a esperança em lume brando sempre à espera do amanhã, deixando passar o hoje. Foge a gaivota do mar em dia de tempestade…

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Serei Amor

  Serei morada Porto de abrigo Cais onde ancoras o barco Âncora no mar revolto   Serei casa Regaço que acolhe Abraço que conforta Lar das memórias mais doces   Serei refúgio Lugar seguro Tempo sem tempo Abrigo nas tempestades   Serei certeza nas horas dúbias Luz na escuridão Esperança no desespero Alegria no descontentamento   Serei confidente Guardiã de todos os teus segredos Fiel depositária das tuas partilhas Confessionário dos teus pecados   Serei música Silêncio se o desejares Frenesim na quietude Calma na agitação   Serei o que quiseres que seja Sempre e quando o queiras Serei para ti o que queria fosses para mim Serei AMOR

Silêncio

Quando o silêncio é tão estrondosamente ruidoso retumba no peito e agita a mente. Não se ouve, contudo, grita. É avassalador. Assume o poder das mais duras palavras, é eco de uma multidão. É poderoso, porque domina, torna refém. Não permite refúgios nem evasões. É inteiro, porquanto preenche, toma todas as dimensões. Mil vezes os gritos. Tal silêncio não traz serenidade nem acalma. Mata.

Homem do mar

  Chega manhã bem cedo, numa rotina que cumpre religiosamente. Passos arrastados de quem carrega décadas de vida e as mazelas de uma infinidade de pequenos nadas e abalos de maior grandeza. Não estão à vista essas mazelas, fizeram morada por dentro, numa marca indelével que há de levar para a cova. Endireita as costas que teimam em curvar-se, fazendo-se ereto. Ergue os ombros e olha o mar, de frente, qual forcado enfrentando o touro na arena, em jeito de desafio. Conhece-o bem. Aprendeu a conhecê-lo antes sequer de se fazer homem. Sabe das suas manhas, dos seus caprichos, da sua imprevisibilidade. Respeita-o, porque o conhece. Sabe que pode ser traiçoeiro, ah como sabe. Não permite que as más memórias emerjam, antes as quer ocultas nesse negrume que habita em si, que lhe envolve o coração. Desconhece de que matéria é feito, tão pouco sabe que resiliência é a armadura de que se revestiu para sobreviver.