Mais tarde ou mais cedo há-de
falar, desembrulhando as palavras que mantém cárceres da sua cobardia. Não alcançou
ainda a patamar que lhe conferirá a segurança e a coragem para falar o que há
muito traz abafado no peito. Às vezes é como se estivesse junto ao precipício,
pronta a saltar, sem medos. Nessas alturas, chega até a achar ridículo tanto
receio de se expor e acha-se capaz dos feitos mais audazes, ainda que em causa
esteja só falar, dizer o que sente. São, porém, arrojos momentâneos, que se
diluem tão rápido como o sol em dia de chuva. Ensaia incontáveis vezes formas e
meios de o dizer, chega até a sentir a leveza espiritual que o desabafo, que
não o foi, proporciona, mas é também efémera a sensação. Um dia, diz para si
própria. Um dia não mais conseguirá calar as palavras que lhe queimam os lábios
e travar o ímpeto de confessar o amor que despertou no seu coração.
Sempre a vi como o espelho da dor. Dois rudes golpes, a par de todas as outras dores que foi acumulando, mataram-na, ainda que se mantivesse viva. Não é preciso estar na pele do outro para perceber o seu sofrimento, contudo, é impossível medir a mágoa que sufoca o coração e enegrece a alma. Perder um filho, depois o outro. É a morte em vida, seguramente. Resiliência é um eufemismo para quem tem de prosseguir depois de tudo ter acabado. Sobreviver, porque viver é outra coisa.
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