Quisera, outrora, ter o tempo que agora lhe sobra. Quisera, nesses dias tão cheios, encontrar tempo para o que não lhe chegavam as horas do dia. Quisera parar o tempo para que o tempo não a arrastasse nesse compasso frenético. Quisera que os dias fossem dias mais tempo para ter tempo. Quisera ter tempo quando o tempo não lhe chegava.
Ironicamente, hoje tem tempo, todo o tempo… Tem tempo para olhar para trás e perceber que o tempo passou sem lhe dar tempo para ter tempo! Tem tempo para olhar em frente e constatar que tem todo o tempo para fazer coisa nenhuma! Maldito tempo em que faltava tempo! Amaldiçoado tempo que sobra agora!
Olha-se ao espelho e lá estão as marcas do tempo, expondo, sem pudor, os anos vividos, marcas vincadas de um tempo que foi sempre pouco quando tudo o mais era demasiado. Queria, agora, poder voltar atrás para arranjar tempo para tudo quanto ficou por viver...
Sempre a vi como o espelho da dor. Dois rudes golpes, a par de todas as outras dores que foi acumulando, mataram-na, ainda que se mantivesse viva. Não é preciso estar na pele do outro para perceber o seu sofrimento, contudo, é impossível medir a mágoa que sufoca o coração e enegrece a alma. Perder um filho, depois o outro. É a morte em vida, seguramente. Resiliência é um eufemismo para quem tem de prosseguir depois de tudo ter acabado. Sobreviver, porque viver é outra coisa.
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