É como se lhe tivessem arrancado o coração e não fosse já capaz de sentir nada. As vozes que ouve não as escuta já. As pessoas que se cruzam com ela não passam de vultos enevoados que não consegue ver. Quer gritar mas não tem voz, quer andar mas as pernas não obedecem. Sente apenas um vazio, um vazio sem fim. Questiona-se se estará ainda viva. O som da buzina de um carro que passa a grande velocidade tira-a do torpor em que estava mergulhada. De repente dá-se conta de que chove. Pingas grossas batem-lhe na cara como que percebendo a urgência de a trazer de volta à realidade. Um arrepio de frio percorre-lhe o corpo fazendo-a perceber que está viva. Ensaia uma tentativa para sair dali mas o corpo parece ter vontade própria e não se move. Que importa ir ou ficar? Para ir teria de ter um motivo, para ficar uma razão. Não tem nem uma coisa nem outra, só esse vazio, esse vazio que a agarra ao chão e não a deixar sair dali. A chuva continua a cair mas deixou de a sentir.
Sempre a vi como o espelho da dor. Dois rudes golpes, a par de todas as outras dores que foi acumulando, mataram-na, ainda que se mantivesse viva. Não é preciso estar na pele do outro para perceber o seu sofrimento, contudo, é impossível medir a mágoa que sufoca o coração e enegrece a alma. Perder um filho, depois o outro. É a morte em vida, seguramente. Resiliência é um eufemismo para quem tem de prosseguir depois de tudo ter acabado. Sobreviver, porque viver é outra coisa.
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